E, , () . - https://doi.org/10.33776/erebea.v12i2.7771
No século , a reexão sobre o crime assumiu especial relevo, embora cen-
trada na gura do transgressor, em resultado da inuência de Escolas então do-
minantes, em particular da formada em torno de Cesare Lombroso. Considera-
va-se que as doutrinas anteriores, que incidiam, primordialmente, sobre o delito,
tinham falhado, na medida em que a criminalidade continuava a atormentar a
sociedade, havendo, por isso, que projetar novos discursos, desta feita direciona-
dos para os prevaricadores. Assim, os criminosos passam a ser estudados como
seres humanos que levam em si o gérmen do delito (Becker, 2007; Becker, 2006).
Estas ideias, marcadas por um forte determinismo, seguido pela antropologia ita-
liana, tiveram, em Portugal, uma grande adesão, designadamente junto da classe
médica. Clínicos, como por exemplo Roberto Frias, defenderam o carácter inato
da delinquência e a existência de fatores físicos e anatómicos que permitiam ante-
cipar a identicação dos potenciais criminosos (Esteves, 2009).
Revela-se, por outro lado, a tendência para denunciar a existência de crimes
tipicamente femininos, nos quais se incluíam o aborto e o infanticídio, e sobre
os quais incide a nossa análise. Para o efeito, considerámos apenas o distrito de
Viana do Castelo, território que conna, a Norte, com a província espanhola da
Galiza e que, atualmente, engloba dez concelhos (Arcos de Valdevez, Caminha,
Monção, Melgaço, Paredes de Coura, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Vila Nova
de Cerveira, Valença e Viana do Castelo).
No sentido de obter uma visão o mais holística possível sobre a matéria que
é objeto do nosso estudo, cruzámos fontes de natureza diversa, nomeadamente
dissertações apresentadas por médicos na Escola Médico-Cirúrgica do Porto e
documentos administrativos e judiciais. Por essa via, descobrimos histórias de
mulheres que aqui procuramos (re)construir, além de elementos que nos permi-
tem fazer uma análise, ainda que bastante abreviada, de discursos que sobres elas
e seus atos foram escritos por homens.
O infanticídio signica a morte do recém-nascido provocada pela mãe, du-
rante o parto ou o estado puerperal (Porret, 2005)1. O ato de matar o próprio
lho, no momento do nascimento ou nos primeiros meses de vida, é uma prática
ancestral, que ainda persiste, nos dias de hoje, em algumas regiões e culturas. Na
Índia, por exemplo, regista-se um elevado índice de infanticídio feminino. Im-
porta notar que o estudo deste delito é dicultado por fatores de natureza diversa,
que estão associados ao seu cometimento, e que têm a ver, designadamente, com
os meios usados para dissimular a gravidez, para matar o recém-nascido ou para
1 Segunda Joaquim José Caetano Pereira e Sousa, infanticídio «he a morte violenta, e meditada
de huma criança que nasceu viva, ou que está proxima a nascer. Este delicto considerado mais geral
se estende ao embrião, e ao feto ainda encerrados na matriz, e consequentemente comprehende
tudo o que respeita ao aborto por causa violenta». No que respeita ao aborto, este autor entende que
«he o parto antes do termo de huma criança, que morre quando nasce, ou quando não podia viver
fora do ventre da mãi, ou que não estava ainda perfeitamente formada» (Sousa, 1803, pp. 309-310).