Maria Marta Lobo de Araújo
E, () . - : 0214-0691
A audição da madre Dona Maria de São Joaquim é muito elucidativa da ati-
tude da abadessa. No dia anterior à fuga, asseverou que a madre Dona Catarina
Violante avisou a abadessa que a referida freira ia fugir, tendo sido repreendida
pela superiora, que a acusou de intriguista15. Intencionalmente ou não, a depoen-
te acusava a abadessa de não cumprir devidamente as suas obrigações, não agindo
e desvalorizando o aviso.
Ouvidos os vizinhos e outros homens e mulheres da cidade atestaram as dili-
gências do padre nos dias anteriores da fuga, como que refazendo os seus passos
na tentativa de demonstrar a estratégia gizada e concretizada pelo sacerdote. Para
não ser conhecido, o religioso disfarçava-se com um capote e capuz enquanto
tratava das diligências, rondava o convento e tratava do aluguer das bestas. Infor-
maram ainda que a foragida passava muito tempo às janelas do cenóbio, prova-
velmente esperando avistar o seu amado.
Deixar provas nas mãos de outros constitui sempre um problema e assim
aconteceu com Ana Maria Joaquina e o padre João. Uma das cartas por ele es-
crita à sua amada passou pela mão de várias mulheres e homens. Foi, contudo,
deixada pela freira na sua cela, talvez por descuido, ou então para provar o amor
de ambos. Acabou por chegar à mão do desembargador, que conduziu a devassa
e ordenou a sua transcrição para os autos.
Na carta, escrita num domingo à noite, o padre João começa por chamar «Mi-
nha vida» à sua amante, e depois de falar em arrepender-se deste amor e de morrer
por ele, rearma o seu amor pela freira, desejando vê-la e dar-lhe «mil abracinhos
[…] e tantos beijinhos […] e fazermos hum lhinho». A missiva demonstra ainda
a resistência da freira em entregar-se ao padre, o que o desencantava. A indecisão
da religiosa estampa o misto de emoções que vivia, balançando entre o amor o
medo que sentia. Perante a decisão que tem de tomar, a jovem mostra-se indecisa
e dividida entre os votos tomados e o desejo de viver livremente (Caudau Chacón,
2008). Pensaria também na sua família e na forma como o ato seria avaliado.
Na carta, para além de a tratar por menina, denomina-se a si próprio por
menino, o que faz supor ser também ele muito jovem. O sacerdote desejava «en-
feitiçar» a freira, ou seja, vê-la enamorada por si. Assumia as muitas saudades que
sentia dela, desejando vê-la no momento em que escrevia. Repetindo o amor que
sentia, o sacerdote insistia na necessidade de falar com ela e despedia-se com «mil
Bellico, Botanico, Brasilico, Comico, Critico, Chimico, Dogmatico, Dialectico, Dendrologico,
Ecclesiastico, Etymologico, Economico, Florifero…, Vol. 3, Coimbra: Collegio das Artes da Com-
panhia de Jesus, 1712, p. 293. Veja-se ainda P. L. Napoleão Chernoviz, Diccionario de medicina
popular e das sciencias accessorios para uso das familias, contendo a descripção das Causas, symp-
tomas e tratamento das moléstias; as receitas para cada molestia; As plantas medicinaes e as alimen-
ticias; As aguas mineraes do Brazil, de Portugal e de outros paizes; e muitos conhecimentos uteis.
Vol. 1. 2 vols. Paris: A Roger & F Chernoviz, 1890, pp. 879-880.
15 ADB, Relação Eclesiástica. Apelações, nº 20, . 35.